Literatura como ato político: o que o FEST CONTAS tem a nos ensinar


É preciso dizer com todas as letras: promover um festival literário no interior da Bahia, com foco na produção local e na valorização de autores esquecidos pelos grandes centros, é um gesto político. O FEST CONTAS – Festival Literário Médio Rio das Contas não apenas reconhece essa dimensão como a assume em sua proposta. Ali, a literatura não é tratada como decoração, passatempo ou entretenimento ilustrado. É tratada como campo de disputa, como arma simbólica, como ferramenta de transformação.

Durante muito tempo, fomos condicionados a pensar a cultura como algo “à parte” das urgências sociais. Literatura? Que bobagem, diriam alguns, em tempos de crise econômica, de escolas sucateadas, de desemprego. Mas é justamente nesses tempos que mais precisamos da força política da palavra. Ler, escrever, debater, interpretar — tudo isso é resistência. Tudo isso é negar a lógica do silenciamento que ronda, sobretudo, os territórios periféricos do país.

O FEST CONTAS, ao reunir escritores, professores, artistas e estudantes em torno de mesas de debate, oficinas, lançamentos e rodas de conversa, está criando um espaço onde a palavra circula livremente — e isso não é pouca coisa. Quantos jovens do Médio Rio das Contas tiveram, ao longo da vida escolar, contato com autores da própria região? Quantos se reconheceram nas histórias contadas nos livros didáticos? Quantos foram incentivados a escrever sobre o que vivem, com a linguagem que dominam?

Ao colocar esses jovens em contato com uma literatura que fala a sua língua e caminha pelos seus caminhos, o festival rompe com a lógica de exclusão simbólica. E essa ruptura é política. Política porque redefine quem pode ser leitor, quem pode ser escritor, quem pode ser protagonista da história. Política porque questiona o que é “alta literatura” e quem tem o poder de validá-la.

Mais do que um evento, o FEST CONTAS é uma pedagogia cultural. Ensina que ler pode ser um ato de autodefesa. Ensina que escrever é um modo de existir. Ensina que cada comunidade tem seus próprios clássicos e que reconhecê-los é também um gesto de justiça histórica. Não é à toa que o festival homenageia Euclides Neto — autor que soube usar a literatura como instrumento de denúncia, de acolhimento e de visibilidade.

A presença de estudantes, professores e autores contemporâneos no festival cria uma rede viva de troca de saberes. E essa troca desafia a hierarquia tradicional entre quem ensina e quem aprende. A leitura compartilhada, a escuta das vozes locais, o incentivo à produção textual a partir da própria experiência — tudo isso aponta para uma educação mais democrática e para uma cultura menos centralizada.

Fazer literatura no Brasil é, quase sempre, um ato de coragem. E fazer um festival literário no interior é, sem dúvida, um ato de ousadia. Mas é também um ato de amor. Amor pela palavra, pela memória, pela possibilidade de que outros mundos — mais justos, mais diversos, mais sensíveis — sejam sonhados e construídos a partir da escrita.

O FEST CONTAS é isso: um gesto político em forma de festa. Uma celebração que incomoda, que questiona, que planta inquietações. E que, por isso mesmo, precisa ser lido como o que é: um projeto de futuro.