A centralidade de Euclides Neto: literatura, memória e centenário
Em 2025, o FEST CONTAS presta uma das homenagens mais necessárias e urgentes da literatura brasileira: o centenário de nascimento de Euclides Neto. Não se trata apenas de reverenciar um escritor local — mas de reabrir as páginas de uma obra que, apesar de regional em sua linguagem e em sua paisagem, é profundamente nacional em seu alcance. Euclides Neto foi cronista do Brasil que trabalha, que sofre e que resiste. E esse Brasil tem endereço: o sul da Bahia, o Médio Rio das Contas.
Nascido em 1925, Euclides foi mais que escritor. Foi advogado, político, militante, ambientalista, e — talvez antes de tudo — um homem profundamente enraizado em seu tempo e em seu território. Sua literatura nasce do chão da roça, do barulho do pilão, da poeira das estradas de barro, das promessas da modernidade que chegavam sempre atrasadas ou corrompidas. Em seus romances e contos, os personagens não são arquétipos, mas gente viva, com mãos calejadas, sonhos humildes e histórias que merecem ser contadas.
É por isso que homenageá-lo no FEST CONTAS é mais do que justo: é reparador. Quantas gerações passaram por escolas em Ipiaú sem sequer ouvir falar de Euclides Neto? Quantos currículos ignoraram a força de uma literatura que falava exatamente da vida das crianças e jovens da região? Trazer Euclides de volta é afirmar: essa literatura também nos representa. Essa literatura também nos forma.
Mas não se trata de colocá-lo em um pedestal. Homenagear Euclides Neto é, também, colocá-lo em diálogo com a juventude. Permitir que os estudantes leiam suas palavras, se reconheçam nelas, questionem seus silêncios e atualizem seus temas. O autor de Cacau, o fruto de ouro e A cidade do Ouro e do medo não precisa ser congelado como monumento — ele precisa ser relido como semente. Uma semente que o FEST CONTAS quer fazer germinar de novo, agora em outros corpos, em outras vozes, em outros livros.
E há, ainda, um aspecto político. Euclides Neto acreditava na reforma agrária, no poder das comunidades, na resistência popular. Foi prefeito de Ipiaú durante a ditadura militar e enfrentou interesses poderosos para defender a dignidade dos pequenos. Sua literatura é também um espelho dessa trajetória. Ler Euclides hoje é também reler o Brasil sob uma ótica que não aparece no noticiário: a ótica dos esquecidos, dos que perderam quase tudo, mas não perderam a palavra.
No FEST CONTAS, essa palavra volta a circular. Em rodas de leitura, em palestras, em saraus. Volta a ser sussurrada, declamada, estudada. E mais: volta a ser escrita, porque homenagear Euclides é também incentivar a escrita de novos “euclides”, sejam homens ou mulheres, jovens ou idosos, todos tocados pela urgência de contar o que vivem.
O centenário de Euclides Neto, portanto, não é um ponto final. É uma vírgula. Um chamado. Uma promessa de que a literatura do Médio Rio das Contas continuará viva, presente, e cada vez mais presente no imaginário de quem ousar ler o Brasil desde dentro.
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Crônica