força dos territórios: o Médio Rio das Contas como espaço literário


Durante muito tempo, a literatura brasileira esteve associada a grandes centros urbanos. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador — essas foram as geografias recorrentes dos livros que nos ensinaram a “literatura nacional”. E o restante do país? Onde estavam os rios menores, as cidades de interior, os sotaques fora do padrão? A realização do FEST CONTAS em Ipiaú é uma resposta contundente a essa ausência: o Médio Rio das Contas é, sim, território literário. E sempre foi.

Território, aqui, não é apenas um espaço geográfico. É também um espaço simbólico, afetivo, histórico. É o chão onde se pisa, mas também a memória que se carrega. E o Médio Rio das Contas, com suas cidades marcadas pela cultura cacaueira, pelos saberes populares, pela resistência das comunidades quilombolas e pelas lutas dos trabalhadores da terra, é um território pulsante — cheio de histórias que merecem ser contadas, lidas, ouvidas.

O festival não veio criar essa potência. Ela já existia. O que o FEST CONTAS faz é reconhecer, valorizar e dar visibilidade a uma produção que sempre esteve viva, mesmo que à margem dos circuitos literários hegemônicos. Ao reunir escritores locais, ao homenagear Euclides Neto e ao abrir espaço para a juventude contar suas próprias narrativas, o evento desloca o eixo da literatura brasileira: não é mais apenas nos grandes centros que se escreve o país.

E isso é revolucionário.

Porque, ao tomar o Médio Rio das Contas como território literário, o FEST CONTAS coloca em questão o próprio conceito de “literatura regional”. Essa expressão, tantas vezes usada com tom pejorativo, revela uma hierarquia implícita: o que é produzido longe da capital seria, por definição, menor, limitado, doméstico. Mas quando lemos a obra de Euclides Neto, por exemplo, percebemos que ali se fala de trabalho, de desigualdade, de política, de humanidade — temas universais, abordados com precisão e beleza.

A ideia de território também nos convida a pensar sobre pertencimento. Muitos jovens de Ipiaú, Ubatã, Ibirataia, Jequié ou Jitaúna cresceram ouvindo que “precisam sair” para “chegar a algum lugar”. Que a realização está sempre fora. O FEST CONTAS, ao contrário, afirma: há potência aqui. Há cultura aqui. Há literatura aqui. E é daqui que se pode falar ao mundo.

Não se trata de um saudosismo ufanista, mas de um reposicionamento político. A literatura do Médio Rio das Contas não é exótica nem decorativa. Ela é crítica, complexa, vibrante. Ela contribui para entender o Brasil que o sul do país muitas vezes se recusa a ver.

Nesse sentido, o FEST CONTAS propõe uma nova cartografia literária. Uma cartografia que não ignora as fronteiras, mas as redesenha. Que não apaga os sotaques, mas os valoriza. Que transforma o que antes era “periferia” em centro de criação, de fala, de escuta.

Em tempos de apagamento cultural, reconhecer o Médio Rio das Contas como território literário é um gesto de resistência. E o FEST CONTAS nos ensina que resistir também pode ser uma festa.